
O Congresso Nacional iniciou o ano de 2025 com o protocolo de duas Propostas de Emenda a Constituição (PEC) que tratam da alteração da jornada de trabalho. Em 11 de fevereiro foi apresentada no Senado Federal a PEC 4/2025, de autoria do senador Cleitinho (REPUBLICANOS/MG) e em 25 de fevereiro a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) apresentou a PEC 8/2025 perante a Câmara dos Deputados.
Ambas as propostas visam o fim da escala 6X1. A proposta do Senado é mais branda, propondo alteração para uma escala 5X2, enquanto a proposta que tramita na Câmara é mais ousada se comparada ao modelo atual, pois prevê a escala 4X3.
Atualmente a jornada de trabalho não pode ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais e o repouso semanal remunerado deve ser preferencialmente aos domingos.
A proposta do senador Cleitinho prevê a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanas e o descanso semanal remunerado de preferência aos sábados e domingos. Já a proposta da deputada Erika Hilton prevê a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais e jornada de trabalho 4 dias na semana.
A justificativa das propostas é oferecer ao trabalhador um maior equilíbrio entre sua vida profissional e pessoal, além de melhor a produtividade no ambiente de trabalho e a qualidade de vida. A deputada federal Erika Hilton afirma que a redução da jornada traz impactos econômicos visto que os trabalhadores, ao aproveitarem melhor o tempo, consumirão mais.
Mas será que o Brasil está preparado para essas mudanças? E como fica para quem está do outro lado nas relações do trabalho, o empresário empregador?
A adoção de uma jornada de trabalho de quatro dias por semana é uma medida que tem sido adotada em alguns países, como Dinamarca, Islândia, Espanha, países do Reino Unido, Alemanha, Bélgica, França e Nova Zelândia. Contudo, essa política enfrenta desafios consideráveis para ser implementada no Brasil, em virtude do contexto econômico e fiscal do Brasil em comparação com esses países, em sua grande maioria do continente europeu.
Preliminarmente, devemos analisar a diferença de Produto Interno Bruto (PIB) per capita entre o Brasil e esses países. Países que adotaram a semana de trabalho reduzida possuem economias mais estáveis, com PIB per capita significativamente superior ao do Brasil. A Dinamarca possui um PIB per capita de aproximadamente US$ 68 mil, a Islândia possui um PIB per capita de aproximadamente US$ 79 mil enquanto o PIB per capita do Brasil é de US$ 10 mil. Ou seja, o PIB per capita do Brasil é 7 a 8 vezes inferior se comparado a esses países. Um PIB per capita maior indica uma produtividade mais elevada e um ambiente econômico que permite maior flexibilidade no mercado de trabalho. Em contrapartida, o Brasil possui uma economia em desenvolvimento, com um PIB per capita inferior e um mercado de trabalho com muitas limitações. A alteração da jornada de trabalho, sem diminuição salarial, pode agravar os custos para os empresários, ora empregadores, que já enfrentam dificuldades para manter a rentabilidade em um cenário de baixa produtividade.
Além desse ponto, temos que levar em conta o debate que tomou conta do ano de 2024 no Congresso Nacional e no Superior Tribunal Federal: a desoneração da folha de pagamento. Após idas e vindas entre esses dois órgãos, houve uma composição para que a o fim da desoneração da folha de pagamento fosse gradativa.
Ainda, a taxa de desemprego é um ponto a ser considerado. Enquanto países que implementaram a semana de trabalho de quatro dias possuem taxas de desemprego relativamente baixas (0,9% e 3,44%, Dinamarca e Islândia, respectivamente), o Brasil apresenta taxas de desemprego elevadas (6,6%). Apesar de apresentar alguma melhora, o desemprego no Brasil continua a ser um desafio. A implementação de uma semana mais curta de trabalho sem aumento proporcional na produtividade poderia, na prática, levar a uma redução no número de empregos formais, uma vez que as empresas poderiam não ter recursos suficientes para manter a folha de pagamento nos mesmos níveis. O efeito poderá ser contrário ao desejado, acarretando a informalidade e desemprego.
As questões tributárias também são muito diferentes no Brasil em comparação com países que adotaram a jornada reduzida. No Brasil, o sistema tributário é complexo e representa um peso significativo para as empresas, especialmente com o advento da Reforma Tributária. O setor empresarial, em especial o de comércio e serviços, ainda está diante de um cenário incerto. Os custos de contratação são altos, bem como encargos trabalhistas e carga tributária, fatores esses que impactam diretamente o setor produtivo. A carga tributária brasileira é elevada, o que sobrecarrega os empresários e dificulta a criação de novos postos de trabalho. Em países como a Islândia, o ambiente regulatório é menos oneroso para as empresas, o que facilita a adaptação a novos regimes de trabalho. No Brasil, a adoção de uma semana de quatro dias provavelmente aumentaria ainda mais os custos trabalhistas, dado o aumento dos encargos proporcionais por hora de trabalho.
Não basta apenas a vontade de melhorar o cenário para o trabalhador. Tem-se que levar em consideração a economia do Brasil e as consequências ao empregador ao alterar a escala de trabalho e a jornada de trabalho. O impacto sobre o mercado de trabalho e a capacidade das empresas de absorver essas mudanças sem comprometer sua saúde financeira é um fator crucial a ser considerado. Embora a redução da carga horária possa oferecer benefícios ao trabalhador, como maior qualidade de vida e equilíbrio entre vida pessoal e profissional, a realidade econômica brasileira impõe desafios significativos. A adaptação de um modelo de jornada reduzida, sem a devida análise das condições estruturais do país, pode gerar desequilíbrios, com aumento da informalidade e redução de postos de trabalho formais. Portanto, é fundamental que as mudanças propostas no Congresso sejam cuidadosamente avaliadas, considerando o contexto econômico e os potenciais efeitos negativos sobre o emprego e a competitividade das empresas. O Brasil ainda enfrenta uma série de desafios fiscais e econômicos que precisam ser superados antes de implementar transformações tão radicais no regime de trabalho.
Helena Arriola Sperandio
Coordenadora de Relações Governamentais da Faciap